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RELA??ES RURAL-URBANO,
TRANSFER?NCIAS PESSOAIS
E POL?TICAS P?BLICAS
UMA AN?LISE A PARTIR DE POPULA??ES
RESIDENTES NA CIDADE DE MAPUTO1
Jo?o Feij? e Momade Ibraimo
Ao longo das ?ltimas d?cadas, o processo de globaliza??o e a crescente import?ncia das liga-
??es internacionais n?o deixaram de ter um impacto sobre as rela??es estabelecidas entre o
campo e a cidade. As grandes capitais africanas, entre as quais a cidade de Maputo, enfrentam
hoje a forte press?o de, simultaneamente, constitu?rem a porta de liga??o do pa?s com o exterior
(funcionando, portanto, como ve?culo de entrada de ideias e h?bitos de consumo, de investi-
mento ou de ajuda externa) mas tamb?m, ao mesmo tempo, estabelecerem profundas rela??es
com o seu hinterland rural.
Ao longo deste texto e depois de se considerarem as m?ltiplas rela??es estabelecidas entre a
cidade e o campo, pretende-se realizar um enfoque sobre a import?ncia das transfer?ncias pes-
soais das popula??es migrantes para a melhoria da qualidade de vida das comunidades de
origem ou para o desenvolvimento rural. A partir de um estudo acerca das rela??es estabeleci-
das pelas popula??es residentes na cidade de Maputo com os seus contextos rurais de origem,
pretende-se aferir a dimens?o dos fluxos financeiros envolvidos, assim como as formas de apli-
ca??o. Num ?ltimo momento, pretende-se reflectir sobre um conjunto de campos de actua??o,
por parte dos fazedores de pol?ticas p?blicas, que possam gerar proveito das condi??es favor?-
veis resultantes das remessas financeiras.
AS TRANSFER?NCIAS PESSOAIS NO CONTEXTO
DAS RELA??ES RURAL-URBANO
A an?lise das rela??es entre o campo e a cidade depara-se com um conjunto de obst?culos
que dificultam a compreens?o da complexidade deste fen?meno. Por um lado, as distin??es
1 O texto resulta de um projecto de investiga??o em curso, desenvolvido pelo Observat?rio do Meio Rural e intitulado
Migra??es Rurais e Liga??es com o Campo - uma an?lise a partir das cidades de Maputo, Tete e Quelimane.
Rela??es Rural-Urbano, Transfer?ncias Pessoais e Pol?ticas P?blicas Desafios para Mo?ambique 2016 329
conceptuais entre rural e urbano s?o din?micas, portanto alvo de transforma??es pol?ticas, fre-
quentemente definidas de forma arbitr?ria e vari?vel de regi?o para regi?o. Esta distin??o
torna-se ainda mais complexa nas circunst?ncias em que as cidades se expandem rapidamente
e estendem os seus limites f?sicos e de influ?ncia para zonas rurais ou na compreens?o de assen-
tamentos interm?dios (vilas de pequena dimens?o, etc.), com diferentes n?veis de interac??o
com o hinterland rural. Por outro lado, distinguir as popula??es em categorias est?ticas assume
que estes grupos reflectem, com rigor, as respectivas realidades, quando na verdade existem
m?ltiplas localiza??es de agregados familiares ao longo de um continuum rural-urbano, em
movimento e em interac??o e, assim, com caracter?sticas h?bridas. Defini??es est?ticas de rural
e de urbano n?o captam, por exemplo, a realidade de migrantes2 sazonais que se movem regu-
larmente entre o campo e a cidade. Neste contexto, mais importante do que estabelecer os
limites conceptuais, geogr?ficos ou administrativos entre o rural e o urbano ? conhecer as liga-
??es entre os mesmos e as suas din?micas interdependentes. Neste sentido, e recorrendo a
Lynch (2005), procura-se sintetizar na Figura 1 a complexidade do relacionamento entre o
campo e a cidade.
FIGURA 1. FLUXOS DE RELACIONAMENTO ENTRE A CIDADE E O CAMPO
?gua e energia Polui??o
Ambiente
M?o-de-obra jovem Popula??o Reformados e retornados
Alimentos frescos Alimentos Alimentos processados
CIDADE CAMPO
Pequenas poupan?as
Recursos financeiros
Valores e comportamentos rurais
Remessas/investimento
Ideias
Valores e comportamentos urbanos
Fonte: Adaptado de Lynch (2005).
A Figura 1 ilustra os fluxos existentes -- em termos ambientais, demogr?ficos, alimentares, finan-
ceiros ou de ideias -- entre o campo e a cidade, demonstrando a possibilidade de circula??o nos
v?rios sentidos. Em fun??o das diversas realidades socioecon?micas ou das estruturas dos mer-
cados, os sentidos dos diferentes fluxos podem predominar numa determinada direc??o,
naturalmente com varia??es temporais. Se os fluxos ambientais, populacionais ou alimentares
s?o empiricamente observ?veis no dia-a-dia, os fluxos de ideias ou financeiros j? n?o s?o t?o
2 Importa tamb?m referir que o conceito de migrante se torna desadequado para traduzir as popula??es residentes h? v?rias
d?cadas nas grandes cidades, com poucas ou nenhumas rela??es estabelecidas com o seu universo rural de origem e com
um sistema identit?rio vinculado ? cidade. O conceito de migrante utilizado ao longo deste texto designa, na realidade, as
popula??es n?o naturais na cidade de Maputo, na linguagem popular designada ?vientes?.
330 Desafios para Mo?ambique 2016 Rela??es Rural-Urbano, Transfer?ncias Pessoais e Pol?ticas P?blicas
facilmente percept?veis, estando, por esse motivo, representados de forma subterr?nea. Como
admite Lynch (2005: 6), uma das limita??es desta representa??o gr?fica ? que explica o mundo
urbano e o mundo rural como realidades claramente separadas, ignorando toda a complexidade
das defini??es destes dois universos, frequentemente h?bridas e com fronteiras pouco claras.
Se o relacionamento entre o campo e a cidade se apresenta de forma complexa e multidimensio-
nal, ao longo deste texto pretende-se realizar uma focagem em torno de uma dimens?o espec?fica,
nomeadamente dos fluxos financeiros entre o campo e a cidade, por parte das popula??es urbanas
de descend?ncia rural. A partir de 2009, na an?lise das transfer?ncias financeiras dos emigrantes
para os seus pa?ses de origem, o Banco Mundial e o Fundo Monet?rio Internacional (FMI)
(Melde, 2011: 5) passaram a utilizar o conceito de ?transfer?ncias pessoais?, designando ?todas
as transfer?ncias em esp?cie ou g?nero remetidas ou recebidas por migrantes e outras pessoas?
para o pa?s ou comunidade de origem. Ao longo deste texto utilizaremos o conceito de remessas
ou de transfer?ncias pessoais para designar os fluxos financeiros -- na forma monet?ria ou em
bens de consumo -- transferidos entre um local de destino e uma comunidade de origem.
O envio de transfer?ncias pessoais das popula??es migrantes tem merecido uma particular aten-
??o, quer por parte dos governos, quer das ag?ncias de desenvolvimento internacionais, quer
dos acad?micos. A inexist?ncia de condi??es banc?rias ou servi?os financeiros conectando as
zonas de envio e as zonas de recep??o, assim como o facto de muitas popula??es serem oriun-
das de zonas rurais remotas, constitui obst?culos ? canaliza??o destes valores atrav?s dos
mecanismos financeiros formais. Por um lado, as ag?ncias banc?rias permanecem fortemente
concentradas nas grandes capitais provinciais, sendo que, em 2013, a cidade de Maputo con-
centrava 36,5% das 520 ag?ncias banc?rias em funcionamento no Pa?s (BdM, 2013: 129). N?o
obstante um aumento da taxa de popula??o bancarizada3, de acordo com dados do FinScope
2014, enquanto 40% da popula??o urbana havia tido um contacto com o servi?o formal ban-
c?rio (em 2009 representavam 27%), apenas 9,9% da popula??o rural se encontrava nas mesmas
condi??es (em 2009 constitu?am 4,2%) (FinMark Trust, 2015: 33). De acordo com a mesma
fonte, 29% da popula??o rural reside a mais de tr?s horas de dist?ncia de uma institui??o finan-
ceira formal, percentagem que diminui para apenas 3% entre a popula??o urbana. Em 2014,
entre 12 pa?ses africanos analisados pelo FinScope (FinMark Trust, 2015), Mo?ambique ocu-
pava a nona posi??o em termos de exclus?o financeira (60% da popula??o), incluindo o sistema
financeiro formal e informal.
A simples exist?ncia de institui??es financeiras n?o constitui condi??o suficiente para a respectiva
utiliza??o. Os dados do FinScope 2015 demonstram que, para 65,3% dos inquiridos, a inexist?ncia
de valor monet?rio suficiente constitu?a o motivo para a n?o abertura de conta banc?ria.
3 O FinScope (Finmark Trust, 2015: 28) inclui em popula??o bancarizada todos aqueles que det?m uma conta banc?ria
singular ou conjunta, assim como todos aqueles que, n?o sendo clientes, utilizam institui??es banc?rias por outros motivos,
como transfer?ncia ou recep??o de valores monet?rios.
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Title: Desafios Moc ambique 2016 s/ BANCA ISLA MICA
Author: Rodrigo
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Producer: Acrobat Distiller 15.0 (Macintosh)
CreationDate: Tue Apr 25 13:18:07 2017
ModDate: Tue Apr 25 13:18:28 2017
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